É incrível como nós, os brasileiros, somos moldados para trabalhar de “carteira assinada”, logo, para sermos empregados. Nada, absolutamente nada contra, muito pelo contrário, louvável e honrado.
É incrível também constatar que é possível, louvável e honrado trabalhar “sem carteira assinada”, sem ser empregado. É possível manter seu próprio sustento e o de sua família, bem como contribuir para o crescimento do país, sem que, necessariamente, sejamos empregados.
A cultura de trabalhar “de carteira assinada” nos remeteu a um comodismo insano, selvagem e descompromissado que reflete diretamente na economia e enriquece estatísticas sempre desfavoráveis à imagem e à credibilidade do Brasil no cenário internacional, sendo, muitas vezes, explorada tendenciosa e sorrateiramente.
Não é novidade que a figura do empregado não existe sem a figura do empregador, que é, via de regra, um empreendedor. A recíproca nem sempre é verdadeira, às vezes até temerária.
Se estabelecemos um padrão comparativo com o sombrio período escravagista, não seria nenhum exagero chegarmos a um paralelo: progresso econômico/financeiro dos patrões e estagnação dos empregados, natural insatisfação com a relação trabalhista, empregados se unindo contra os patrões, dentre outras congruências que nossa imaginação pode nos oferecer.
Posições dicotômicas definem divergências, o que torna estranho esperarmos harmonia sincera nessas relações. Os litígios estarão presentes inexoravelmente.
Empreendedores não têm “carteira assinada”. Logo, segundo nossa retrógrada cultura, não são trabalhadores. Sob essa ótica, como devemos encarar as estatísticas cotidianamente estampadas nas mídias?
Ao cultuarmos a ideia de que só é trabalho quando é emprego, estamos concretizando a estagnação cultural que nos caracteriza como Terceiro Mundo, pois somente agimos reativamente, enquanto que culturas desenvolvidas, ditas de primeiro mundo, agem proativamente, ou seja, objetivando melhorias, que trazem consigo o progresso.
Desde a Revolução Industrial, com o surgimento do tear mecânico, a tecnologia vem reduzindo empregos humanos (reativo), mas em nenhum momento reduziu o trabalho (proativo), não é necessário o uso de uma lupa para constatar isso. Trata-se de um fato.
O trabalho, devidamente legalizado, como há de ser, para assegurar garantias mútuas, não pode nem deve ser gerado pelo Estado, mas incentivado, racionalizado e organizado por ele, salvo, obviamente, os serviços essenciais.
A Carteira de Trabalho, na verdade Carteira de Emprego, é sinal de atraso numa civilização, dá sentido de cabresto e limita o trabalhador genuíno.
Prestar serviços (trabalho) se mostra hoje, mais que um termo, uma atividade mais adequada nessa relação, fortalece a autoestima e torna saudável a qualificação profissional.
Não se trata aqui de uma campanha contra nossas tradições, mas de uma breve e limitada visão do que se avizinha num futuro próximo. Negar isso é insano. É negar a evolução.
Trabalhadores não se aposentam, empregados sim. Não é raro encontrarmos aposentados de seus empregos prestando serviços, na maioria das vezes, felizes por isso.
Paz e luz a todos!
Marcius Túlio Amaral Pereira | *Coronel da reserva da Polícia Militar de Minas Gerais