Por Nataly Maier
Você deve se lembrar do casal fora-da-lei que virou lenda nos EUA, em meados de 1930. O banditismo romântico de Bonnie e Clyde, os maiores inimigos públicos do Texas, teve de tudo, igual farofa de interior: assassinatos medonhos, assaltos a bancos, críticas ao governo e, acredite, um grande apreço popular. Bonnie gostava de escrever poemas, era sentimental e curtia literatura. Clyde, um romântico com sede de justiça. O fim da história eu te conto: ambos morreram dentro de um Ford V8 por uma chuva de tiros das mãos da polícia, depois de anos foragidos. Só que, para muitos, partiram como ídolos. Milhares de pessoas choraram desesperadamente sobre os corpos ensanguentados do casal, culparam o governo e cristalizaram Bonnie e Clyde como verdadeiros heróis antissistema, tipo Robin Hood. História digna de filme – a Netflix que o diga, teve até série sobre o caso.
Dias atrás, não era Bonnie e Clyde, mas houve comoção gigantesca pela morte do Lázaro, o psicopata do DF que dizia ter pacto com o sobrenatural e que matou e estuprou sem dó nem piedade. Teve crítica ao sistema de justiça criminal, à forma que o assassino morreu e, principalmente, a quem comemorou. Não quero entrar em detalhes, mas é impossível não mencionar a semelhança dos fatos. Pra mim, toda crítica é democrática, necessária e bem-vinda, o perigo mora é no relativismo. Problematizaram o bandido morto, comoveram-se com sua morte, mas se esqueceram das vítimas da sua crueldade.
Sai mês, entra mês, e a história ganha novos atores. Como explicar o aumento repentino de seguidores nas redes sociais do DJ Ivis, logo após ele ser denunciado pela ex-esposa de violência doméstica, no início desta semana? Nem Freud explica a cabeça de quem tentou justificar todos aqueles murros e chutes nos vídeos que estão circulando na internet. Sério, não dá.
A inversão de valores não é característica da geração, já que Bonnie e Clyde morreram há mais de 85 anos, mas esse apego imediato ao protagonismo, sobretudo quando este tem um lado repulsivo, continua nos surpreendendo. O ser humano tende ao seu mal. A greve da PM no Espírito Santo, em 2017, endossa a teoria. Bastou não ter a ação da polícia na rua para a população saquear os supermercados, quebrar as lojas e causar um prejuízo de mais de 300 milhões na economia. Este é o país que enche a boca para falar que todo político é corrupto, mas não olha para a raiz da imoralidade.
Infelizmente, a ótica das pessoas é facilmente contaminada. Isso pede para que a gente reveja constantemente as nossas bandeiras, atitudes e pensamentos. É muito mais fácil culpar o sistema e a política pelos insucessos diante de nós, mas algumas situações apontam para a nossa própria consciência e o que fazemos com ela. Que a gente não perca a capacidade de pensar com a própria cabeça e agir com coerência, sem ser contaminado de todas as partes. É só assim pra ter jeito.
*Jornalista, assessora de comunicação e marketing político
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