Na Semana do Meio Ambiente, celebrado oficialmente em 5 de junho, o DRD entrevistou o engenheiro agrônomo, doutor em hidrogeologia e membro do Comitê do Rio Doce Henrique Lobo, que, ao longo de sua carreira, estudou e visitou inúmeras bacias hidrográficas, em mais de 50 países. Lobo falou da atual situação hídrica do rio Doce, após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (2015), além de preservação do meio ambiente, conservação das nascentes e caminhos para garantir rios preservados nos próximos 40 anos.
Nesta terça-feira (1), Henrique Lobo tem compromisso em Governador Valadares, na live: Rios do Mundo e o Meio Ambiente, que abre a programação especial da Semana do Meio Ambiente. A live terá uma programação especial, com o objetivo de promover a consciência e a reflexão sobre a responsabilidade ambiental.
Henrique Lobo dedicou 40 anos de sua vida estudando a bacia hidrográfica do rio Doce. Com vasta experiência, o engenheiro agrônomo já foi gerente de Meio Ambiente da antiga Funsec, na década de 90, em Valadares, e atualmente é membro do Conselho Diretor do Instituto Terra, organização com a missão de contribuir para o processo de recuperação ambiental e o desenvolvimento sustentável da Mata Atlântica, no Vale do Rio Doce.
Na programação da Semana do Meio Ambiente, Lobo irá resumir suas experiências pelo mundo e trazer uma nova realidade para a climatologia, que pode durar 26 anos. “Já visitei todos os continentes e percorri 56 países. Vi de perto a realidade de cada bacia hidrográfica. Nesta live irei fazer um resumo do que vi nesses países e sobre a questão ambiental que estamos passando, fenômeno chamado mínimo solar, quando há poucas manchas solares e passa a ter nevascas pesadas no Hemisfério Norte e secas prolongadas no Hemisfério Sul, o que deve durar até 2047. Vou também tentar trazer informações da importância dos rios históricos, como o rio Nilo e o Jordão.”
Características da bacia hidrográfica do rio Doce
De acordo com Henrique Lobo, a bacia hidrográfica do rio Doce possui área de drenagem de 86.715 quilômetros quadrados, dos quais 86% estão no Leste mineiro e 14% no Nordeste do Espírito Santo. O rio Doce tem extensão de 879 quilômetros e suas nascentes estão em Minas, nas serras da Mantiqueira e do Espinhaço. O relevo da bacia é ondulado, montanhoso e acidentado.
O especialista explicou os motivos de o solo ser mais seco em Governador Valadares do que em outras cidades mineiras. “Se você olhar para a região de Caratinga, Guanhães, Manhuaçu e Virginópolis, são áreas com solos mais profundos e porosos; se pegar a cidade de Governador Valadares, são solos pouco porosos, que armazenam pouca água e se secam muito rápido. Existe um equilíbrio dinâmico entre o período chuvoso e o período seco. Com as chuvas que ocorrem em janeiro, as nascentes irão durar até março, e as chuvas que caem em março vão durar até outubro. Portanto, se não temos ocorrência de chuvas neste intervalo de tempo, as nascentes podem se secar”, explica.
Com o passar dos anos, Lobo acredita que, se não houver cuidados com o meio ambiente, haverá temporadas de secas mais prolongadas do que antes, e consequentemente temperaturas mais altas do que o normal. “Até 2047 nos iremos passar por dificuldades grandes. Iremos passar por secas prolongadas, não haverá chuvas torrenciais. Quando a chuva cair, ela vai cair de uma vez. Até chegar esse tempo, precisamos ter cobertura florestal nos topos de morros, restauração de nascentes e reflorestamento de áreas devastadas”, alerta.
“O melhor caminho para a preservação dos rios é a restauração das nascentes”, ressalta Lobo
Nas últimas décadas, o desmatamento de encostas e de matas ciliares, além do uso inadequado dos solos, vêm contribuindo para a redução da quantidade e qualidade da água em toda a extensão da bacia do rio Doce. Para a recuperação e preservação dos mananciais, pode-se adotar algumas medidas de proteção do solo e da vegetação. “A melhor alternativa para a preservação dos rios é a restauração das nascentes. Para se ter uma ideia, nos últimos 10 anos o Instituto Terra restaurou 2.600 nascentes no Vale do Rio Doce, mais recentemente nas cidades de Aimorés, além de Campanário, Jampruca e Itambacuri.”
Henrique Lobo também comentou sobre o aumento no consumo de água na pandemia da covid-19. “Cada comunidade tem que ser consciente neste momento. Na década de 70 eramos 82% de população rural, hoje já somos 92% de população urbana. Nós estamos criando uma situação de consumo maior e menor quantidade dos nossos mananciais. Infelizmente, pensamos que a água nunca vai acabar.”
Como está o rio Doce após o rompimento da barragem de Fundão
O desastre de Mariana, ocorrido em novembro de 2015, deixou o que os especialistas chamam de “sequelas ambientais”. O rompimento ocasionou uma vasta e espessa enxurrada de lama, que destruiu o subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana. Ao romper-se, a lama foi carregada pelo rio Doce e seguiu avançando, provocando uma destruição nunca antes vista. O desastre provocou a morte e a extinção de diversas espécies de peixes no rio Doce, que para muitos hoje está “morto”.
Para Lobo, nos últimos seis anos houve alguns pequenos sinais de recuperação. “Houve um impacto de imediato que causou danos e mortes dos peixes por falta de oxigenação. Mas 16 afluentes trouxeram vida novamente para o rio Doce, trazendo outros peixes para o rio. Tenho visto uma melhora, mesmo que pequena, mas tem sinais de aparecimento do peixe pitu em Linhares, tem espécies de surubim, tilápia, que são de outros rios e descem para o rio Doce. Hoje, nossa preocupação não é nem com a qualidade da água, mas sim com a quantidade. Um rio que em Colatina (ES) sempre teve vazão 250m3/s, hoje nós estamos tendo uma vazão em torno de 70 a 80m3/s. Então, é preciso investir mais na restauração de nascentes e topos de morros para melhorar a vida de nossos rios.”
Outro problema apontado pelo especialista, o qual tem prejudicado os rios, é o despejo de esgoto sem tratamento, afetando a qualidade das águas. Isso tem se tornado um problema ambiental, social e de saúde pública. Além de Valadares, a maioria das cidades banhadas pela bacia do rio Doce não tem 100% de tratamento de esgoto. “Os esgotamentos sanitários são responsáveis pela maior concentração de carga orgânica jogada no rio Doce, por exemplo. Então, o esgoto é o que mais lança nitrato, fosfato e outros poluentes no rio. Para se ter uma ideia, das 128 cidades da bacia hidrográfica do rio Doce, somente oito tratam o esgoto. Portanto, é preciso um entendimento de construir estações de tratamento de esgoto”, conclui.