Comunidade escolar alega falta de diálogo e teme privatização da educação. Governo diz buscar a melhoria do ensino
A falta de diálogo do Governo do Estado com a comunidade escolar sobre a implantação do ensino no modelo “charter” em três instituições ainda neste ano foi uma das reclamações feitas, nesta quarta-feira (12/5/21), por participantes de audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Por meio desse modelo, escolas financiadas com dinheiro público são administradas pela iniciativa privada. O Governo de Minas abriu três editais para implantar a iniciativa de gestão compartilhada de escolas de ensino médio em parceria com organizações da sociedade civil sem fins lucrativos.
Para o projeto piloto, batizado de Somar, foram selecionadas as escolas estaduais Maria Andrade Resende e Francisco Menezes Filho, ambas na Região da Pampulha, em Belo Horizonte, e Coronel Adelino Castelo Branco, em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
A professora da Educação Básica da Escola Estadual Maria Andrade Resende, Fátima Pinto Fernandes Alves, salientou que a comunidade escolar soube da implementação do projeto no dia 28 de abril, por matéria na imprensa. “Não ficamos sabendo por nenhuma fonte institucional. Também não houve consulta à comunidade escolar”, comentou.
Para o professor de Filosofia da Escola Estadual Francisco Menezes Filho, Jonathas Souza Lima, faltam abordagem pedagógica e evidências científicas que validem o projeto Somar. Além disso, criticou a falta de diálogo do governo com as escolas. “É um modelo que se impõe de forma violenta à estrutura das escolas”, afirmou.
Ele acrescentou: “O projeto é uma grande falácia. Traz números frios, que não se conectam aos valores da escola pública, plural, democrática e para todos”.
Concordou com o colega a professora da Escola Estadual Coronel Adelino Castelo Branco, Cássia Fernanda Barbosa Durães, para quem o projeto é desumano desde sua concepção.
Raul Pereira Pinto Neto, ex-aluno da Escola Estadual Coronel Adelino Castelo Branco, contou que há ótimos profissionais na instituição, que, além do currículo tradicional, incentivam projetos diferenciados como os culturais. “A nossa relação na escola era de horizontalidade. Éramos ouvidos”, acrescentou.
Incompetência – A socióloga Regina Moura dos Santos Silva, mãe de estudante da Escola Estadual Francisco Menezes Filho, criticou a iniciativa. Para ela, o Estado está assumindo sua incompetência porque não faz o que é obrigado a fazer. “Educação é muito mais do que transferir a gestão financeira para uma entidade. É proporcionar que o aluno se torne um cidadão”, disse.
De acordo com ela, para um aluno que está cursando o 3º ano do ensino médio, não se trata de um projeto piloto, porque a medida vai afetar imensamente sua vida. “Não queremos que seja feito um teste com nossos filhos”.
O diretor Estadual do Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação (Sind-Ute/MG), Adriano José de Paula, também manifestou insatisfação com o projeto. Segundo ele, na prática, a proposta é uma privatização, uma mercantilização da educação pública. Ele também lamentou a falta de consulta aos principais interessados.
Cientista político critica o que chama de gerenciamento do tipo empresarial
Segundo o mestre em Ciência Política, doutor em Ciências Sociais e presidente do Instituto Cultiva, Rudá Ricci, o projeto Somar é mais uma tentativa de imposição do gerenciamento do tipo empresarial no Estado.
“Todos os modelos de empresariamento da educação estadual redundaram em fracassos e atrasos no desempenho escolar de nossos estudantes”, afirmou.
Na opinião de Rudá Ricci, esse modelo valoriza a eficácia e a eficiência, em detrimento da cultura local e do diálogo com a comunidade. Além disso, para ele, o modelo foge da concepção pedagógica de acompanhar as dificuldades dos alunos e de seus familiares.
Outro risco apontado pelo cientista político é que a escola se torne uma fonte de lucro e de produtividade.
Nota pública – A professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ana Maria Alves Saraiva, corroborou a posição de Rudá Ricci. Ela informou que a Faculdade de Educação divulgou uma nota pública na semana passada em que se manifestou de forma contrária ao projeto.
De acordo com ela, não há evidências científicas favoráveis à implantação da medida e há o risco de que as entidades parceiras abandonem o projeto quando já estiver em andamento, a exemplo de outros estados.
Representante da SEE defende projeto piloto
A assessora estratégica da Secretaria de Estado de Educação (SEE), Clara Pinheiro Oliveira Costa, salientou que a iniciativa tem o objetivo de buscar a melhoria da qualidade do ensino médio.
“Inovamos, mas com muita responsabilidade. Vamos experimentar em três escolas, o que corresponde a 0,1% em relação ao número total de instituições de ensino que é de 3 mil”, destacou. Ela enfatizou que a escola continua sendo pública, gratuita e integrante da rede estadual.
Ela informou que as escolas foram definidas por critérios como localização, serem exclusivas de ensino médio, terem porte médio e um custo aluno similar ao valor de referência (4.927,35 por aluno por ano), além dos seus indicadores educacionais.
Clara Pinheiro explicou que, nesse modelo, os cargos de diretor, vice-diretor e de secretário escolar serão privativos de servidores da educação, que serão indicados pela organização parceira a partir de processo seletivo a partir de 2022.
Para os demais profissionais, conforme relatou, valerá uma gestão com autonomia pela entidade, apesar de o ano letivo de 2021 ser concluído normalmente. Os servidores efetivos passarão por processo de remanejamento. Já os convocados e contratados poderão participar do processo seletivo conduzido pela organização.
Segundo a assessora estratégica, a inscrição de propostas pelas organizações vai até junho de 2021, a celebração da parceria ocorrerá em julho deste ano e a parceria seguirá até dezembro de 2025.
Deputados se manifestam contra e a favor da medida
A deputada Beatriz Cerqueira (PT), que preside a comissão e solicitou a audiência, se manifestou contrariamente ao projeto e lamentou a forma desrespeitosa como a secretaria tratou os profissionais da educação e a comunidade escolar. Ela disse que vai pedir a impugnação dos editais.
“É um projeto que tem todos os interesses, menos os da educação. É uma proposta para somar apenas para os empresários e subtrair para todos os demais envolvidos, que nada tem a ver com o ensino, tratando a educação como cobaia. Educação não é lugar para testar projetos”, criticou a parlamentar.
Para Betão (PT), vice-presidente da comissão, a implementação do modelo representa privatização. Ele ainda manifestou preocupação com a carreira dos servidores das escolas afetadas.
Contraponto – Por sua vez, o deputado Gustavo Valadares (PSDB), líder do governo, afirmou que entende a preocupação dos participantes, mas que todos estão do mesmo lado, carregando a bandeira pela educação pública. “Vale o voto de confiança para um projeto que está chegando”, destacou.
A deputada Laura Serrano (Novo), vice-líder do governo, enfatizou que o governo está agindo com muita responsabilidade e que lucrar e reduzir custos não são objetivos.
Sobre o fato mencionado pelos professores de terem ficado sabendo da notícia pela imprensa, a deputada esclareceu que, em 27 de abril, reuniões foram realizadas com os diretores das três escolas que foram incumbidos de comunicar à comunidade escolar.
Coronel Sandro (PSL) disse ser plenamente favorável à medida. “Unir o setor público ao privado já acontece em inúmeras áreas. Não vejo os prejuízos que estão falando. Se governo quisesse uma mudança completa não implantaria o projeto piloto”, disse.
O deputado Bartô (Novo) também defendeu a proposta, avaliando que a iniciativa trará mais dinamicidade e resultados melhores à educação no Estado.