BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma decisão recente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre a desfiliação de dois deputados federais acendeu o alerta em partidos políticos, que temem a criação de um precedente que abra caminho para a fragilização da fidelidade partidária e o fortalecimento de movimentos desvinculados das legendas tradicionais.
No início de abril, a corte autorizou os deputados Rodrigo Coelho (SC) e Felipe Rigoni (ES), ambos do PSB, a trocarem de partido sem a consequente perda de mandato.
Ambos votaram, em 2019, a favor da reforma da Previdência após a sigla ter fechado questão contra as mudanças nas regras de aposentadoria. Foram punidos com a retirada de assentos em comissões e o veto para assumir a relatoria de projetos de lei.
Eles acionaram o TSE sob o argumento de perseguição política, e o tribunal entendeu que estava caracterizada a justa causa que permite a desfiliação sem a perda de mandato, o que ocorre apenas em situações excepcionais.
Em relação ao deputado Rigoni, a maioria dos membros do TSE acompanhou a manifestação do ministro Luís Roberto Barroso, que argumentou que uma carta-compromisso firmada entre o PSB e o movimento Acredito, do qual Rigoni faz parte, tinha eficácia jurídica e se sobrepunha à posição do partido contra a reforma.
A decisão foi apertada: foram 4 votos favoráveis e 3 contrários. Esse foi o julgamento em que o TSE discutiu com mais profundidade a relação entre partidos e movimentos da sociedade civil criados recentemente e que atuam na formação de novos atores para a política.
A interpretação de políticos e integrantes de tribunais superiores é que foi dada uma sinalização importante na direção do fortalecimento desses movimentos e da elevação do status jurídico deles perante a Justiça Eleitoral.
O ministro Edson Fachin, por sua vez, divergiu e afirmou que “os estatutos dos partidos não podem ser esvaziados, ainda que por meio de carta compromisso”.
“A carta firmada com várias agremiações tem muito mais uma dimensão pragmática e não o condão de, por esta via, alterar o sentido e alcance de um programa partidário”, disse.
Os ministros Tarcísio Vieira de Carvalho e Sergio Banhos acompanharam Fachin, enquanto Luís Felipe Salomão, Alexandre de Moraes e Mauro Campbell seguiram Barroso e formaram a corrente vencedora.
Na visão de dirigentes partidários, o placar apertado no TSE indica que não há consenso sobre o tema e que há espaço para pressionar o tribunal para que não se consolide uma jurisprudência em desfavor das legendas.
As siglas afirmam que o fechamento de questão não ocorre com frequência e temem um esvaziamento do instrumento, considerado importante para manter a coerência das legendas em relação às suas bandeiras.
Assim, o precedente é visto como perigoso porque minaria a autonomia partidária para reagir à indisciplina.
No caso de Rigoni, os dois lados envolvidos no julgamento têm versões conflitantes para o racha. O deputado afirma que houve um acordo com o PSB de que seria garantida a independência dos integrantes do movimento Acredito que se filiassem à sigla.
“Quando os partidos querem fazer o que o PSB disse que ia fazer, que é renovar, construir um novo partido, e aceita grupos como o movimento Acredito mediante uma carta de independência, ele precisa cumprir esse propósito”, afirma.
Para o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, o argumento do deputado é “falacioso e inverídico”. “Nunca se garantiu isso, jamais alguém entrou no PSB com a garantia do partido de que ele pode votar como quiser.”
Ele nega ter firmado qualquer compromisso com o deputado e diz ter ressaltado, em reunião com integrantes do Acredito, que o PSB tem um programa definido.
Siqueira considera a decisão do TSE absurda, incompreensível e equivocada e avalia que fragiliza a fidelidade partidária, que, afirma, é o que dá identidade aos partidos. “Você vota no partido sabendo o que ele quer. E agora o TSE acha que pode interferir dessa maneira na vida orgânica dos partidos e acha que os partidos não têm o direito de cobrar dos seus membros a fidelidade ao seu programa e às suas decisões democraticamente adotadas.”
O julgamento do caso de Coelho registrou o mesmo placar de 4 a 3. No seu caso, a maioria da corte entendeu que não houve desvio na atuação do parlamentar, mas do partido, que, quando filiou o político, que era do DEM, sabia de sua visão mais liberal do ponto de vista econômico.
Moraes foi o primeiro a divergir ao afirmar que o caso de Coelho e Rigoni são parecidos porque o PSB, quando Eduardo Campos se candidatou à Presidência em 2014, procurou ampliar sua base e aceitou políticos que não concordavam com todo o programa do partido.
Já Carlos Lupi, presidente do PDT, defende que as orientações tomadas pelo partido devem ser seguidas. “Nunca a direção nacional assinou carta a nenhum membro dando liberdade de votação”, diz ele, que teve embate parecido em relação à deputada Tabata Amaral (PDT-SP).
Na avaliação de Gilberto Kassab, presidente do PSD, a fidelidade partidária deve ser construída com transparência. “Existem regras de fidelidade que devem ser obedecidas, e, obedecidas essas regras, o deputado ou parlamentar em qualquer âmbito municipal, estadual ou federal tem o legítimo direito de ter também as suas convicções.” Apesar disso, Kassab destaca que “não dá para ser uma permissividade total, ampla”.
Presidente do PSOL, Juliano Medeiros acompanha o entendimento de Kassab e afirma que a fidelidade partidária ajuda a estabelecer coerência para que os partidos alcancem os objetivos detalhados em seus programas. Para ele, no entanto, a decisão envolvendo os deputados do PSB é particular. Além disso, lembra que a composição do TSE muda constantemente.
O professor e doutor em direito Ademar Borges acredita que esse julgamento não representa a inauguração de uma jurisprudência clara de prevalência desses movimentos em detrimento dos partidos, mas afirma que a decisão indica que o TSE concedeu um status jurídico importante para esses grupos da sociedade civil.
“Apesar da grande importância desses movimentos cívicos para a energização da política entre os mais jovens, é preciso garantir que os partidos políticos tenham assegurada sua autonomia para, eventualmente, fechar questão sobre matérias pontuais de maior relevância e exercer a disciplina partidária.”