Para defensores do retorno, distanciamento provoca transtornos diversos. Comissão também ouvirá argumentos contrários
Representantes da sociedade civil que participaram de audiência, nesta sexta-feira (2/10/20), da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), se posicionaram a favor da reabertura de escolas no Estado.
Esta é a primeira de duas audiências solicitadas para discutir o retorno das aulas presenciais em Minas. A próxima, que será realizada na quarta-feira (7), às 9 horas, trará especialistas contrários a essa reabertura.
De acordo com a presidenta da comissão, deputada Beatriz Cerqueira (PT), o objetivo é dar às pessoas a oportunidade de ouvir argumentos a favor e contra, para que decidam de maneira consciente seu posicionamento.
O deputado que solicitou a reunião desta sexta (2), Bartô (Novo), disse acreditar que não haverá mais um colapso da saúde no Estado e que a pandemia já teria atingido o seu pico.
“A minha opinião é que já não existe o risco para a saúde pública que existia antes. Temos alunos sofrendo com desnutrição e obesidade, simultaneamente, ao ficar em isolamento social, o que mostra a desigualdade do nosso País. Também temos crianças mais sedentárias, desmotivadas e um número maior de acidentes domésticos”, ponderou.
Crianças teriam risco menor de se infectarem
A médica pediatra Adriana Reis Brasil focou sua apresentação nos perigos da doença e impactos do isolamento para as crianças e adolescentes.
“Hoje sabemos que a covid-19 tem impacto pequeno na infância, com taxa de mortalidade pequena e quadro mais leve. Sabemos também que as crianças estão menos suscetíveis a ficar doentes e a transmitir a doença. Em Minas, menos de 0,1% dos casos foram de crianças e adolescentes. O mais frequente é o pai contaminar a criança, sendo que um adulto transmite dez vezes mais que a criança”, afirmou.
Ela apresentou pesquisas feitas em países que implementaram o lockdown, como Portugal e Alemanha, segundo as quais a reabertura das escolas não teria piorado o quadro sanitário.
“Precisamos pensar que 1,5 bilhão de crianças e adolescentes estão fora das escolas no mundo todo, sendo que 1/3 deles não tiveram acesso ao ensino a distância. Podíamos adotar a estratégia de fazer muitas atividades ao ar livre. Muitas crianças têm sofrido com irritabilidade, depressão, aumento do apetite, entre outros problemas”, disse.
A médica psiquiatra Laura Costa Oliveira seguiu a mesma linha de raciocínio e demonstrou preocupação com os efeitos negativos do isolamento no desenvolvimento de algumas crianças.
“Já tentaram aprender uma língua estrangeira na idade adulta? É a mesma coisa. Essa perda muitas vezes não é recuperada e pode ter impactos no resto da vida. A escola é para as crianças desenvolverem habilidades sociais. Se não desenvolverem na hora certa, não desenvolvem mais”, afirmou.
Ela defendeu que seja dada aos pais a opção de retorno ao ensino presencial, para que eles ponderem e escolham o melhor em cada situação.
“Vão ser poucos os que terão coragem de optar pelo retorno, e com menos alunos em sala os professores vão ter como ensinar de maneira mais efetiva os cuidados básicos, com máscara e álcool gel”, considera a psiquiatra.
Governo diz que cumprimento dos protocolos sanitários será obrigatório para escolas
A subsecretária de Desenvolvimento da Educação Básica do Estado, Geniana Guimarães Faria, afirmou que a retomada, no dia 19 de outubro, será apenas para estudantes do ensino médio que precisam de apoio maior em razão do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cujas provas presenciais estão marcadas para janeiro do ano que vem.
“Continuaremos com o trabalho remoto e não teremos carga horária obrigatória presencial. Pensamos tudo em parceria com a Secretaria de Saúde, e nenhuma escola reabrirá sem cumprir os protocolos obrigatórios, vamos acompanhar de perto para garantir uma retomada segura. Os recursos para adquisição dos equipamentos necessários serão disponibilizados via caixa escolar”, enfatizou.
Contraponto
Após ouvir os convidados, a deputada Beatriz Cerqueira fez uma série de ponderações com relação à reabertura, representando o ponto de vista dos professores e profissionais de ensino da rede pública estadual que serão envolvidos nesse processo.
Ela criticou o Governo de Minas por não apresentar indicadores que sustentem a retomada e disse que a segurança sanitária que o Poder Executivo afirma ter é ilusória.
“O posicionamento dos profissionais de educação não foi considerado. O governo escolhe dialogar com aqueles que convergem com seu posicionamento. Os professores sequer foram chamados para escuta”, declarou.
Ela ainda reforçou que, para o profissional de educação que está na ponta, os protocolos de segurança são impossíveis de serem cumpridos no dia a dia de uma instituição de ensino.
“Devíamos escutar o diretor de escola aqui e perguntar se ele tem caixa escolar pra comprar o que é necessário pro checklist da saúde. E será que há essa facilidade de comprar os materiais necessários na região dele? Temos quase mil escolas em Minas que não têm refeitório e as crianças comem no chão ou em banquinhos improvisados. Isso foi antes da pandemia. Escolas em que os funcionários não têm sequer acesso a um banheiro adequado e que irão para o trabalho presencial. Isso foi antes da covid. Essa estrutura não foi alterada. Como manter distanciamento social ou higiene adequada assim?”, questionou.
O deputado Betão (PT) contestou a fala do deputado Bartô sobre a redução dos riscos de contaminação. “Tivemos a pior semana dos últimos sete meses em Juiz de Fora (Zona da Mata), com 17 óbitos em 4 dias por causa da onda verde (do Plano Minas Consciente). Prefeito está pensando em voltar pra onda vermelha se isso continuar. Não posso aceitar a fala de um deputado que diz que está tudo normal, isso não é verdade. Em outros países, tiveram lockdown, um pico, e os casos caíram. No Brasil, estamos há cinco meses num platô constante, sem queda, porque o isolamento e o distanciamento não foram respeitados como deveriam”, afirmou.