Consumo interno e preço do produto em queda influenciaram redução da área produtora, mas pandemia mudou o cenário
O contexto de oferta e demanda doméstica foi o principal fator responsável pelo aumento do preço do arroz no País. A conclusão é de Lucílio Rogério Alves, professor da Escola Superior de Agricultura da Universidade de São Paulo e coordenador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), que participou, nessa quarta-feira (30), de audiência pública da Comissão de Defesa do Consumidor e do Contribuinte da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Segundo ele, não houve falta de arroz no mercado brasileiro. No entanto, desde 2016, o estoque está diminuindo, em grande parte porque houve cerca de 50% de redução da área produtora do grão, queda acompanhada pelo consumo interno e pelo preço do arroz, abaixo da média desde 2005.
“Não faltou arroz no mercado porque, apesar da redução na área produtora, houve um aumento expressivo de produtividade, graças a um excelente trabalho da Empresa Brasileira de Pesquisa e Agropecuária (Embrapa). Apesar dos estoques estarem em níveis satisfatórios, eles estão mais baixos já há muitos anos. Aí, de repente, tivemos um aumento inesperado da demanda, com as vendas de agosto deste ano superiores em 30% às do ano passado”, explicou o professor.
Como a colheita acontece entre março e maio, a produção total de arroz já estava no mercado e a demanda subiu subitamente, acima do esperado.
De acordo com Lucílio Alves, o auxílio emergencial e a mudança de hábitos de muitas famílias, que estão ficando mais em casa durante a pandemia causada pelo coronavírus, contribuíram para o aumento da demanda.
Já a diminuição das áreas produtoras se deve à desvalorização do arroz, o que fez produtores migrarem para outras culturas, como a soja. “Mesmo com o crescimento deste ano, o consumo ainda é menor que em 2002. Isso justifica a redução da área. Desde a safra passada, tivemos um aumento de preços, mas a situação atual é de maior fluxo de demanda. Agora, só teremos nova safra em 2021, precisamos que a atual dure até lá”, complementou.
Isolamento de países asiáticos favoreceu exportações brasileiras
O diretor-presidente da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), Elton Doeler, informou também que países como a Índia e a Tailândia, grandes produtores do grão, fecharam suas fronteiras para exportação logo no começo da pandemia.
Dessa forma, o Brasil se tornou um player importante, extremamente demandado, com os produtores tendo uma oportunidade de venda para fora com o câmbio elevado, o que fez com que a exportação de março a agosto deste ano dobrasse em relação ao mesmo período do ano passado.
“Não existe um único culpado, é um conjunto de fatores. Defendemos uma solução para a cadeia do arroz a médio e longo prazo, assim como o estabelecimento do preço do quilo entre R$ 5 e R$ 7, para nos manter em patamares seguros. Não vamos conseguir manter uma cadeia produtiva colocando produtos abaixo dos custos de produção. Entendemos que esse reajuste de preço se manterá até a próxima safra, mas e depois?”, questionou Elton Doeler.
Ele defendeu que, para os próximos anos, o abastecimento seja incentivado, tendo em vista que o arroz é importante não apenas para a economia, como também essencial na alimentação do brasileiro.
Repasse de custos – Representando a Associação Mineira de Supermercados (AMIS), Kátya Duarte pediu que os dados apresentados por Lucílio Alves sejam entregues aos Procons mineiros e demais entidades de fiscalização, já que, segundo ela, tem sido um desafio conversar com as entidades e orientar os supermercados.
“Ontem, tivemos uma reunião orientando nossos associados sobre como receber a fiscalização e quais documentos apresentar para comprovar e basear o aumento de preço. Estamos acompanhando atentamente e sabemos que houve redução da taxação do arroz pelo governo. Acreditamos que os preços precisam obedecer ao mercado. Não aumentamos as margens de lucros, apenas repassamos o que recebemos”, afirmou.
Presidente do Fórum dos Procons Mineiros, Eduardo Schroder, explicou que os trabalhos dos Procons tiveram de ser paralisados por causa da pandemia e que existe uma linha tênue entre as circunstâncias e o mercado querendo lucrar mais em razão de escassez. “Alguns fornecedores se aproveitam da situação, elevam preços por verem demanda, fazem estoque e colocam o produto na rua por um preço elevado. Estamos trabalhando para localizar empresas ou entidades que fomentaram essa prática de aumento do preço do arroz”, relatou.
Presidente da comissão e autor do requerimento para a realização da audiência, o deputado Bartô (Novo) se disse contrário a qualquer tipo de interferência na dinâmica do mercado e defendeu que o boicote dos consumidores seria a melhor prática regulatória. “Temos de conscientizar o consumidor para promover boicotes e dar o recado localmente. Que ele olhe no olho do vendedor e diga que as práticas são imorais e abusivas, e pare de consumir. Essa é a melhor forma do mercado se autorregular”, salientou.