Aquele burgo de outrora, cidade de minha infância, que nasceu às margens do Rio Doce, ajoelhada aos pés do pico da Ibituruna, transformou-se na Capital Mundial do Vôo Livre. Na minha meninice, o rio Doce me fascinava com suas águas límpidas e benditas. Águas profundas, refúgio de canoeiros e viajantes cansados. Aquelas águas, sombreadas pelas frondosas árvores da Mata Atlântica, pareciam exalar perfume, o perfume da existência! Hoje, na UTI, o doce Rio luta pela sua vida e também pela nossa. Belo e lacrimoso, continua seu caminho rumo ao oceano.
Tive o privilégio de nascer e crescer às margens do Rio Doce, ver o surgimento desta pujante cidade de Governador Valadares, andar de charretes, apreciar as retretas que a Lira Trinta de Janeiro fazia acontecer no Coreto, o Bar do Sr. Alfredo Fabri, no térreo do belo Coreto, a feira, onde hoje é a Prefeitura Municipal. Testemunhei a vinda da loja “Casa Zé do Vale”, propriedade do Sr. José do Vale, vi a rua Prudente de Morais e suas lojas de comércio florescerem com suas barras de madeira à porta, para amarrar os animais dos viajantes das vilas rurais. Conheci a serraria Cobraice, a Mesbla, a Casa Byrro, uma das lojas mais luxuosas da cidade, cujas peças de cristal fascinavam os meus olhos.
Recordo-me da avenida Minas Gerais, dividida ao meio pelo verde dos oitis, palco dos grandes carnavais do Minas Clube, Ilusão e dos carros alegóricos das boates da zona boêmia: Dulce e Rosinha. Nessas lembranças está um carro original: sua alegoria era uma enorme serpente que trazia em sua boca uma encantadora mulher, quase desnuda. A cena, incomum para a época, chocou a população que se aglomerava nas calçadas da avenida Minas Gerais, surpresa com a beleza do carro e a criatividade. Nessa época eu devia ter uns 12 anos, era completamente inocente e gostava de brincar carnaval usando lança-perfume, para molhar as moçoilas que encantavam meus olhos, com aquele spray gelado e perfumado. O lança-perfume Rodouro era delicioso, pena que foi preciso proibir o seu uso.
Ainda na avenida Minas Gerais, antiga rua do caminhão, ficavam as agências bancárias da cidade: Banco Comércio e Indústria, Banco Hipotecário, Banco Econômico da Bahia, Banco do Brasil.
A cidade era cercada por terras devolutas e espaços sedimentares, ocupados por grandes companhias estrangeiras, entre elas a Belgo Mineira, empresa que pertencia ao Grão-Ducado do Luxemburgo, que também era dono da Companhia Açucareira localizada na Baixada da Égua, hoje bairro São Pedro. A urbe crescia e, à medida que avançava, acolhia forasteiros de vários rincões de nosso Estado e do país. Médicos, fazendeiros, comerciantes. Entre eles chegaram, vindos de Ubá, meu pai, Pedro Dias Barbosa, e sua esposa Tina. Era um dos maiores fornecedores de carvão para a companhia Belgo Mineira. Na época, não tínhamos conhecimento do mal que o desmatamento causava ao planeta.
A medicina também avançava, e logo nasceu o Hospital São Lucas, fundado pelos médicos, Dr. Cloves Sette Bicalho e Dr. Ruy Pimenta, mais tarde adquirido por um grupo de sócios: Dr. José Lucca, Dr. Francisco Simões, Dr. José Maria Caldeira Mourão, Dr. Raul Chaves Corrêa. Esse hospital transformou a assistência médica da nossa cidade e se tornou referência na região e no Estado.
Hoje convivemos com uma cidade decadente, danificada pelos maus administradores. As poucas indústrias que tínhamos partiram em busca de novos horizontes, mas o nosso antigo burgo, com muito esforço, continua de pé e ainda mostra alguns sinais da opulência de outrora.
Nesse seu aniversário, quando completa 81 anos, ela que já nasceu grande. Apesar de muitos políticos terem-na prejudicado, continua o seu caminhar, cheia de esperança, buscando melhores dias para seus filhos.
Deus te abençoe, querida Princesa!
Dilermando Dias Miranda | Patrono: Bezerra de Menezes