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Seja um pouco psicopata

Dr. Lucas Nápoli (*)

Você é daquelas pessoas que sempre pensa primeiro nos interesses dos outros e só depois considera os seus próprios desejos? Você sofre porque percebe que as pessoas não te valorizam tanto quanto você as valoriza? Você se preocupa muito em evitar que suas ações causem direta ou indiretamente sofrimento em outras pessoas? Você está sempre evitando falar ou fazer determinadas coisas pelo medo de que algumas pessoas possam se incomodar ou se sentir ofendidas?

Se você respondeu “sim” a pelo menos duas dessas quatro perguntas, é bastante provável que sofra do que eu chamo de “empatia excessiva”. Eu já falei sobre esse quadro patológico em outro momento, mas hoje quero me debruçar sobre uma atitude básica que pode ajudar aqueles que sofrem com esse problema.

Empatia excessiva é a tendência a se colocar exageradamente no lugar do outro e negligenciar os próprios interesses. Quem sofre com esse problema costuma deixar de fazer aquilo que quer (ou que precisa) porque tem medo de que outras pessoas se sintam mal. Em geral, indivíduos excessivamente empáticos não aprenderam na infância a considerarem seus próprios interesses como legítimos. Assim, vivem sob o pressuposto de que o bem-estar dos outros deve vir sempre em primeiro lugar.

Antes que você pense que o que eu estou chamando de empatia excessiva seja tão-somente bondade e generosidade, preciso assinalar que nem sempre fazer com que as pessoas se sintam bem significa fazer o bem a elas. Um pai, por exemplo, que deixa o filho ficar jogando videogame o dia inteiro ao invés de estudar fará com que ele se sinta muito bem. No entanto, nenhum de nós diria que esse pai está contribuindo para o bem da criança. O mesmo vale para um professor bonzinho que permite que um aluno seja aprovado mesmo tendo obtido péssimas notas nas avaliações. O aluno pode se sentir bem no momento, mas perderá a oportunidade de cursar novamente a disciplina e poder efetivamente aprender a matéria. Em ambos os casos, pai e professor se curvaram aos interesses imediatos e ao bem-estar da criança e do aluno por se colocarem excessivamente no lugar deles, ou seja, por serem exageradamente empáticos. No entanto, nem o pai nem o professor foram efetivamente bons porquanto não tenham contribuído verdadeiramente para o bem das pessoas com quem se relacionaram. Essa é uma das principais diferenças entre quem é bom e quem é bonzinho (distinção sobre a qual eu também já falei aqui em outro momento). O bom procura fazer o bem ainda que para isso tenha que levar o outro a se sentir momentaneamente mal. Já o bonzinho é aquele que quer meramente agradar, ou seja, fazer com que o outro se sinta bem ainda que isso contribua para levar a pessoa para o abismo.

Para sermos efetivamente bons e respeitarmos nossos próprios interesses (que, em princípio, são tão legítimos quanto os do outro), não podemos nos colocar o tempo todo no lugar das pessoas. Por isso, defendo a necessidade de sermos um pouquinho psicopatas. Sim, psicopatas. Embora esse não seja um termo técnico (o correto seria falar em pessoas que apresentam o transtorno de personalidade antissocial), vou utilizá-lo aqui por ser mais conhecido e, portanto, facilitar a comunicação.

Psicopatas são indivíduos que, por diversas razões (que não convém serem discutidas agora) têm dificuldades para expressarem empatia e sentirem culpa. Muitos bandidos cruéis, por exemplo, só conseguem executar seus crimes por apresentarem esse transtorno de personalidade. O fato de não serem capazes de se imaginar na pele de suas vítimas facilita a prática de roubos, sequestros e assassinatos. De fato, muitas pessoas que jamais fizeram mal a uma mosca seriam capazes das mais atrozes violências se seus impulsos não fossem contidos pela empatia.

Se imaginássemos uma escala de empatia, em uma extremidade encontraríamos os psicopatas e na outra os bonzinhos que apresentam empatia excessiva. Nesse sentido, o tratamento da empatia excessiva passa por uma aproximação do pólo da psicopatia. Veja bem: não estou dizendo que você, caro leitor excessivamente empático, deva se tornar um psicopata a partir de agora. Não! O que estou recomendando é que comece a “injetar” em suas relações interpessoais “pequenas doses” de psicopatia, suficientes para ser capaz de colocar-se no lugar do outro e, ao mesmo tempo, considerar os seus próprios interesses. Em outras palavras, você precisa ter a liberdade de não tomar o bem-estar imediato das pessoas como único critério para se relacionar com elas. Para isso, você terá que ser capaz de tolerar a angústia de saber que suas ações podem fazer o outro se sentir triste, incomodado, irritado. E você só conseguirá fazer isso se, numa situação de conflito ou confronto, puder usufruir de um pouquinho de psicopatia.

O psicopata pensa exclusivamente nos seus próprios interesses e não está nem aí se suas ações provocarão dor no outro. Você não precisa chegar a esse extremo, mas deve ser capaz de tomar certa distância dos interesses imediatos do outro e naquilo que você quer. Por não ser um psicopata, você poderá se sentir mal vendo o incômodo experimentado pela outra pessoa. É nessa hora que a empatia precisa ser interrompida e seu olhar deve se voltar para os seus interesses. Um pouquinho de psicopatia nessas horas não faz mal a ninguém. Experimente!

(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogoclínico em consultório particular;  Psicólogo da UFJF-GV; Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

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