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Quem quer sempre ser aplaudido vive sequestrado

Dr. Lucas Nápoli (*)

Caríssimo leitor, quero iniciar este texto fazendo-lhe uma pergunta: você se preocupa com sua reputação? Gasta tempo pensando em como as pessoas lhe verão, que conceito terão sobre você e o que dirão a seu respeito por aí? Se a sua resposta foi sim para essas duas questões, sinto muito, mas preciso lhe dizer que você está sequestrado. Sim, sem perceber você acabou se tornando refém da opinião alheia. A boa notícia é que é possível sair dessa prisão invisível sem precisar continuar pagando o resgate – que é o que você vem fazendo até aqui. Vamos conversar sobre isso.

Em outro momento, eu falei sobre o desejo de agradar os outros e como ele se torna destrutivo quando nutrido em excesso. Outrora também falei sobre a figura do “bonzinho”, que é justamente aquela pessoa que está o tempo todo tentando agradar os outros. Meu foco agora é sobre uma tendência que pode estar atrelada ao desejo de agradar os outros, mas não necessariamente. Trata-se da busca compulsiva por passar uma boa impressão. Frequentemente as pessoas que se encaixam no perfil do “bonzinho” sofrem com esse problema, mas não são só elas que padecem desse mal.

A compulsão por passar uma boa impressão se traduz no dia-a-dia por meio da preocupação constante com o que as outras pessoas estão pensando a nosso respeito. A pessoa que sofre com esse problema considera insuportável imaginar que exista alguém por aí que esteja com uma imagem negativa dela. À primeira vista, poderíamos pensar que essa pessoa quer sempre agradar os outros, mas um olhar mais atento revela que, na verdade, o que ela busca é ser bem vista pelos outros – o que é diferente. O indivíduo que se preocupa muito em agradar os outros em geral não tem uma preocupação consciente com a imagem que as pessoas terão dele; o seu problema é não conseguir expressar seus interesses quando esses vão de encontro ao desejo do outro. Já a pessoa que se preocupa excessivamente com a própria reputação sofre porque se imagina o tempo todo num palco tendo que executar uma performance que possa ser sempre digna de aplausos. Para tal indivíduo, só é possível estar em paz quando ele sabe que está sendo visto positivamente por todas as pessoas que o conhecem.

Por que pessoas que apresentam esse perfil estão sequestradas? Porque, ao elegerem a apreciação do outro como critério essencial a servir de parâmetro para suas condutas, elas passam a não poder mais agir de acordo com aquilo que elas próprias consideram ser mais importante. O raciocínio é simples: quando vai fazer uma prova de uma disciplina da faculdade, você não pode escrever o que deseja (a menos que você não queira tirar uma boa nota). Você precisa colocar na prova apenas aquelas coisas que estão de acordo com o que o professor ensinou nas aulas. Em outras palavras, ao se submeter a uma avaliação, você passa a estar sob o jugo de critérios e parâmetros externos. Ora, a pessoa excessivamente preocupada com a imagem que os outros terão dela vive como se estivesse o tempo todo fazendo uma prova. E pior: trata-se de uma avaliação na qual ela não pode sequer se dar ao luxo de tirar uma nota mais ou menos; é preciso sempre tirar nota 10.

Portanto, quando fico preocupado em ser bem visto pelos outros, estou entregando de bandeja para esses outros o controle sobre a minha vida. Afinal, para receber sua aprovação, passarei a fazer tudo o que eles consideram correto. Embora muitas pessoas sofram com esse problema, quando paramos para pensar sobre ele com calma, nos damos conta de que se trata de uma atitude tão irracional quanto ir a uma delegacia de polícia e pedir para ser preso. Então, por que será que tanta gente passa por essa situação? Por que tantas pessoas decidem não viver de acordo com os próprios valores para se entregar aos critérios dos outros a fim de serem bem vistas por eles?

A resposta pode ser resumida em basicamente duas palavras: prazer e medo. Por um lado, saber que os outros nos estimam, que têm uma boa imagem a nosso respeito, que falam bem de nós por aí, é algo que nos alegra intensamente. É óbvio que se pudéssemos escolher entre uma boa e uma má reputação, optaríamos sempre pela primeira alternativa. De fato, em condições normais, ninguém procura conscientemente passar uma má impressão. Enfim, todos nós gostamos de ser bem vistos pelos outros, pois isso nos serve como um sinal (ainda que equívoco em muitos casos) de que somos amados – e ser amado é um dos maiores anseios presentes na alma humana. Portanto, algumas pessoas podem se preocupar muito com a própria reputação porque canalizaram a maior parte dos seus esforços por prazer existencial nessa direção.

No entanto, mais comumente, preocupamo-nos em demasia com a nossa imagem perante os outros porque temos medo de sermos vistos como pessoas ruins, egoístas, vis etc. Nesses casos, é provável que o indivíduo não consiga lidar bem com os elementos de maldade que se fazem presentes em sua alma e na de qualquer outro ser humano. Em outras palavras, essa pessoa no fundo sonha em ser pura embora saiba que não é. Assim, teme que os outros tenham uma imagem negativa de si porque isso lhe faria recordar-se de que não é perfeita e nunca o será.


(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular;  Psicólogo da UFJF-GV; Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

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