A tecnologia de reconhecimento facial é projetada para liberar o acesso em dois segundos, desde que utilizada corretamente. No entanto, muitos moradores acabam driblando esse controle ao entrar no condomínio junto com outras pessoas, sem passar pelos dispositivos de segurança. Essa prática, aparentemente inofensiva, representa uma infração às regras internas e um risco à segurança coletiva. Em Campinas (SP), uma simples falha nesse protocolo resultou em uma grande polêmica, envolvendo acusações de homofobia e discriminação racial.
O caso: do questionamento à denúncia
O incidente ocorreu em um condomínio de alto padrão. Dois moradores aproveitaram a entrada de uma vizinha para acessarem o prédio sem passar pelo reconhecimento facial, alegando que já eram conhecidos pelos porteiros. A mulher, preocupada com a segurança, questionou se eles eram realmente residentes.
O que começou como um questionamento sobre normas rapidamente escalou para uma discussão intensa, culminando em acusações de homofobia. Segundo os dois rapazes, a moradora sugeriu que usassem a entrada de serviço, o que foi interpretado como um ato discriminatório – agravado pelo fato de um deles ser negro. Parte da discussão foi gravada e divulgada nas redes sociais, onde a mulher aparece proferindo insultos homofóbicos. No entanto, no calor do momento, os jovens também responderam com ofensas.
Diante da repercussão, o caso foi encaminhado à Polícia Civil, que analisa as imagens das câmeras de segurança e colhe depoimentos para esclarecer os fatos.
Segurança negligenciada: responsabilidade compartilhada
O episódio expõe uma falha dupla comum nos condomínios brasileiros. De um lado, os moradores descumpriram as normas ao entrar sem se identificar formalmente. De outro, a equipe de portaria permitiu a entrada sem o devido controle, reforçando a necessidade de que todos – moradores, funcionários e visitantes – respeitem os protocolos de segurança.
Para evitar conflitos, o ideal é que qualquer suspeita sobre desconhecidos seja comunicada diretamente à equipe de segurança ou ao porteiro, que devem estar treinados para abordar os casos com profissionalismo e respeito.
Crime de injúria e discriminação
A discussão também levanta um alerta jurídico sobre crimes de preconceito. O Código Penal brasileiro prevê punições para ofensas motivadas por raça, cor, etnia, religião, origem ou orientação sexual. A Lei n.º 7.716/1989, conhecida como Lei do Racismo, estabelece penas de até cinco anos para atos discriminatórios.
Além disso, a injúria racial, anteriormente tipificada apenas como crime contra a honra, foi equiparada ao crime de racismo com a Lei 14.532/2023, tornando-a inafiançável e imprescritível, com pena de 2 a 5 anos de prisão. Xingar alguém com termos pejorativos relacionados à identidade racial ou sexualidade pode, portanto, resultar em sérias consequências legais.
O papel do condomínio na prevenção de conflitos
O condomínio deve atuar ativamente para coibir qualquer tipo de discriminação e reforçar boas práticas de convivência. Algumas medidas essenciais incluem realizar campanhas de conscientização sobre respeito, diversidade e protocolos de segurança; treinamento para funcionários sobre como agir em situações delicadas; reforço no cumprimento das normas de acesso, garantindo que todos os moradores respeitem os procedimentos estabelecidos e colaboração com autoridades, fornecendo imagens e informações sempre que solicitado oficialmente.
Se a discriminação partir de um funcionário, medidas disciplinares podem ser adotadas, incluindo demissão por justa causa, caso a infração seja comprovada. No caso de um síndico envolvido, os moradores têm o direito de convocar uma assembleia para discutir a destituição do gestor.
Lições do caso
O episódio em Campinas serve como um alerta para condomínios de todo o país: falhas na segurança podem gerar não apenas riscos físicos, mas também conflitos sociais e legais. A boa convivência exige respeito mútuo, cumprimento das regras e um compromisso ético tanto por parte dos moradores quanto da administração. Um ambiente seguro é aquele onde normas são seguidas e a dignidade de todos é preservada.
Cleuzany Lott é especialista em direito condominial, Presidente da Comissão de Direito Condominial da 43ª Subseção da OAB-MG em Governador Valadares, Diretora Nacional de Comunicação da Associação Nacional da Advocacia Condominial (ANACON), Síndica, Jornalista, apresentadora do podcast Condominicando e cursando do MBA Administração de Condomínios e Síndicos com Ênfase em Direito Condominial (Conasi). (@cleuzanylott).
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“A boa convivência exige respeito mútuo, cumprimento das regras e um compromisso ético tanto por parte dos moradores quanto da administração. Um ambiente seguro é aquele onde normas são seguidas e a dignidade de todos é preservada.”
RESPEITO MÚTUO
CUMPRIMENTO DAS REGRAS
COMPROMISSO ÉTICO
Infelizmente, muito de nós vamos ter que nascer de novo”