Gestão da Cidade dos Meninos entra em colapso

“O que me deixa chateado é a falta de interesse, tanto do estado, como de outras pessoas que estão vendo a Cidade dos Meninos acabando pouco a pouco”, desabafa o vereador e ex-interno Dandan Cesário

Entidade tradicional de acolhimento de crianças em situação de vulnerabilidade social passa por uma das piores crises financeiras. Novas internações estão suspensas desde o dia 4 de novembro e o futuro da instituição é incerto

No dia quatro de novembro de 2019, a direção da Cidade dos Meninos comunicou ao Município que iria parar de receber internos e que deve passar por mudanças em julho de 2020. A ideia, a princípio, é atender os mais pobres. A instituição, que há mais de cinco décadas tem a missão de acolher crianças, agora vai passar a ajudar todos os necessitados. As mudanças são necessárias, já que o local é distante e acaba sendo difícil para as crianças se adaptarem, levando-se em conta que elas precisam de lazer e atividades esportivas, necessárias para o desenvolvimento. Mas a população sabe que a realidade não é só essa. A falta de apoio financeiro, que atinge a instituição há anos, fez com que chegasse a esse ponto, afetando tão somente as crianças em situação de vulnerabilidade social. O vereador Dandan Cesário, ex-interno da Cidade dos Meninos, desabafa e fala da sua luta diária em todas as esferas para tentar salvar a instituição.

Atualmente, a Cidade dos Meninos acolhe 16 crianças, que estão sendo atendidas e vão continuar no local, recebendo o atendimento necessário, sem nenhum dano. Por isso o cuidado da instituição em avisar com antecedência ao Município que não irá mais receber nenhuma criança, para que no tempo certo as providências sejam tomadas e essas crianças não sejam abandonadas.

Para o coordenador do Núcleo de Criminologia da Fadivale, Luiz Alves Lopes, esse é um momento de reflexão, já que tantas alterações estão sendo feitas na legislação brasileira. “O fechamento ou mesmo a mudança na dinâmica de funcionamento da Cidade dos Meninos nos remete e direciona para uma reflexão profunda sobre nossas instituições assistenciais e filantrópicas.Alguém se lembra da Somirehu, no bairro Santa Rita?As alterações introduzidas na legislação brasileira, de forma fria, inviabilizaram o trabalho junto a menores.A grande dívida social de que somos partícipes faz por merecer profunda atenção de nossas autoridades e lideranças.Mais ‘coisas’ estão por vir”, afirmaLuiz Alves Lopes.

O Diário do Rio Doce procurou a direção da instituição, que disse que no momento oportuno, quando tudo estiver definido, vai fazer um comunicado oficial. Ressaltou ainda que continua contando com a comunidade, que, com todo amor e cuidado, sempre ajudou a Cidade dos Meninos, e que nesse momento as mudanças são necessárias, para o bem de todos.

Desabafo

O vereador Dandan Cesário disse lamentar as mudanças e que a Cidade dos Meninos só chegou a esse ponto por falta de interesse do estado. “É uma tristeza muito grande ver a Cidade dos Meninos passando por uma situação tão delicada como essa. Eu acredito que essa tristeza não é só minha, mas de todos os ex-internos que passaram pela instituição e que sabem do compromisso e da seriedade não só com a nossa cidade, mas com outras cidades da região, que tinham crianças acolhidas. Eu, como vereador, fico de mãos atadas. Muita gente me cobra, mas dentro do que pode ser feito estou fazendo. Faço campanhas, eventos, e as pessoas, quando querem fazer algo voltado para a Cidade dos Meninos, me procuram.”

Dandan disse que, como parte do Legislativo, acionou todo tipo de órgão, estado, esfera federal para que possa achar uma solução. “O que me deixa chateado é a falta de interesse, tanto do Estado, como de outras pessoas que estão vendo a Cidade dos Meninos acabando pouco a pouco; não chega recurso. Estou buscando alternativas. Vou me reunir com o prefeito André Merlo para saber se tem algum viés para conseguir destinar algum recurso para a instituição. Um dos grandes problemas hoje é o Marco Regulatório, que dificulta o trâmite de repasse. A Cidade dos Meninos tem uma equipe muito boa para poder captar recursos, mas o Estado não ajuda, cria barreiras para que uma instituição como essa passe pelo que está passando. A Cidade dos Meninos fez muito não só por Valadares, mas para a região, transformando vidas. Eu sou prova disso, tem outros que são empresários, outros foram para os Estados Unidos, outros que estão aqui e constituíram famílias. Claro que teve algumas perdas, mas elas não chegam a 5%; realmente é lamentável.”

Entenda o Marco Regulatório

Todas as associações sem fins econômicos que são organizadas pela sociedade civil, com o objetivo de auxiliar o poder público em relação a assuntos de interesse social, pertencem ao terceiro setor. Essas associações costumam ser mantidas, normalmente, através de doações de empresas e também de doadores particulares, mas alguns dos modelos de associações inseridas no terceiro setor costumam receber verba pública para que consigam manter os trabalhos realizados nas instituições, como as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs).

Como forma de buscar mais segurança na relação entre o Terceiro Setor e o Poder Público, foi sancionada a Lei nº 13.019/2014 (alterada pela Lei nº 13.204/2015), conhecida como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). Ela preza por um contato transparente e eficiente em relação ao controle dos recursos públicos e também anda na contramão das fraudes relacionadas a desvios de verba.

O Marco Regulatório foi criado com base em uma antiga reivindicação de várias organizações e movimentos sociais para obrigar o terceiro setor a ficar mais eficiente, capacitado e principalmente mais transparente.

Para isso, o regulamento exige um novo tipo de regime em relação a assuntos jurídicos, para que os Estados continuem a colaborar com as organizações da sociedade civil. Através do que foi estabelecido, as instituições que realmente se comprometem com causas sociais conseguem mostrar sua relevância através da redução de erros, desfalques de verbas e outros tipos de trapaças cometidas por associações fajutas.

Agora, qualquer OSC ou OSCIP que deseje receber a colaboração do estado precisará se adequar ao que foi estabelecido por lei.

Com o Marco Regulatório, o que muda para as instituições?

O marco regulatório agora exige que, para receber os recursos do governo, as instituições atuem na sociedade há pelo menos três anos.

Além disso, é necessário que as organizações passem por um processo seletivo, feito por meio de chamada pública. Somente assim estarão habilitadas a assinar termo de colaboração, termo de fomento ou acordo de cooperação com a administração das três esferas públicas (União, Estados e Municípios).

Agora existem instrumentos específicos para regular a relação entre o terceiro setor e o poder público, que se chamam Termo de Fomento, Termo de Colaboração e Acordo de Cooperação. No conteúdo desses instrumentos constam as regras aplicáveis às instituições.

Os valores dos projetos implementados, recebidos das verbas públicas pelas instituições que estiveram aptas ao novo regulamento, terão que ser publicados anualmente. O objetivo, além do controle dos resultados, é assegurar que a relação de parceria foi eficiente para a finalidade de cada projeto.

A mão de obra das instituições agora pode receber salários normalmente, o que tem como consequência a melhora da capacidade das equipes. Isso tem como objetivo eliminar pouco a pouco a situação precária de trabalhadores não remunerados, que, na maioria das vezes, trabalham de forma voluntária.

As mudanças do Marco Regulatório passam a valorizar as manifestações que ocorrem desde o fim do último século. Agora, as pessoas atendidas pelas instituições, que recebem suporte diário ou até passam por cursos temporários de capacitação, têm como garantia as novas regras, que permitem que as instituições que cumpram corretamente com as exigências do poder público tenham a chance de ganhar destaque e novos recursos para a sua manutenção e para a realização de projetos.

por Angélica Lauriano

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